“A dor que não tem nome acaba se tornando silêncio. E o silêncio, muitas vezes, é a forma mais cruel de sofrimento.”
Quando falamos sobre violência doméstica, o senso comum imediatamente nos remete à imagem de uma mulher vitimada por um homem. De fato, a maioria dos casos registrados confirmam esse padrão. No entanto, existe uma outra face dessa realidade que raramente é abordada: a violência doméstica sofrida por homens.
Homens também são vítimas de agressões físicas, psicológicas, morais e patrimoniais dentro do ambiente familiar e conjugal. Mas sua dor costuma ser deslegitimada, ridicularizada ou simplesmente ignorada. Em uma cultura que associa masculinidade à força, à invulnerabilidade e ao controle emocional, admitir que um homem possa ser violentado é, para muitos, quase um paradoxo.
Este artigo se propõe a romper o silêncio que cerca esse tema. Vamos compreender as formas de violência que afetam os homens, explorar os motivos que contribuem para sua invisibilidade e refletir sobre como a sociedade pode acolher essas vítimas com empatia e seriedade.
A masculinidade como obstáculo à denuncia
Desde cedo, homens são ensinados a serem fortes, autossuficientes e resistentes à dor. Chorar, pedir ajuda ou se mostrar vulnerável são atitudes muitas vezes ridicularizadas como sinais de fraqueza. Esse condicionamento cultural tem um efeito devastador: faz com que os homens ocultem suas dores, inclusive quando são vítimas de violência.
A vergonha, o medo de não serem levados a sério ou mesmo o receio de se tornarem alvo de piadas impedem muitos homens de denunciar agressões sofridas por suas companheiras. Para piorar, muitas instituições não estão preparadas para lidar com homens como vítimas de violência doméstica. Alguns relatos mostram que, ao procurarem ajuda, eles são ignorados, desencorajados ou mesmo desacreditados pelas autoridades.
Tipos de violência sofrida por homens
Embora a agressão física seja a mais lembrada quando se fala em violência, não é a única – nem a mais comum entre os homens. Muitos são vítimas de:
- Violência psicológica: humilhações constantes, xingamentos, insultos, manipulação emocional, chantagem com filhos, silenciamento forçado.
- Violência moral: difamação, acusações falsas de traição, exposição pública nas redes sociais com o intuito de desonrar a imagem do parceiro.
- Violência patrimonial: destruição ou apropriação indevida de bens, controle total dos recursos financeiros, impedimento de acesso a contas bancárias.
- Violência física: empurrões, tapas, arranhões, uso de objetos para ferir. Mesmo quando há diferença de força física, isso não invalida o trauma causado por essas agressões.
- Violência sexual: embora rara, também ocorre, principalmente quando o homem é coagido a manter relações sob ameaça emocional ou chantagem.
A soma desses tipos de violência pode levar o homem a um estado de sofrimento psíquico intenso, com consequências que vão da depressão à ideação suicida.
Obstáculos legais e institucionais
A Lei Maria da Penha, avanço inquestionável na proteção das mulheres, é uma legislação específica e não cobre os casos em que homens são vítimas. Embora existam dispositivos legais no código penal para denunciar agressões e maus-tratos, não há uma estrutura consolidada para atender aos homens nesses casos.
Centros de acolhimento, casas-abrigo, linhas de apoio, delegacias especializadas: nada disso é acessível aos homens. Isso reforça a sensação de abandono e solidão, empurrando muitos ao silêncio.
Dados ainda invisíveis
Uma das maiores dificuldades em se abordar a violência contra homens é a escassez de dados. Pela falta de denúncias e pelo descrédito institucional, poucos casos são registrados, o que dificulta o reconhecimento e o enfrentamento do problema. Algumas pesquisas internacionais estimam que cerca de 1 em cada 6 homens sofrerá algum tipo de violência em relações afetivas ao longo da vida.
Mesmo assim, é comum que esses dados sejam subestimados ou desprezados. A ideia de que o homem “aguenta mais” ou que “deve se defender sozinho” está profundamente arraigada em nossa cultura, o que retarda o reconhecimento da vítima e perpetua o ciclo de silêncio.
O impacto emocional da violência sofrida
A violência doméstica deixa marcas profundas na autoestima e na saúde mental de suas vítimas. Homens agredidos muitas vezes entram em um ciclo de culpa, vergonha, isolamento e desesperança. O medo de não serem acreditados ou de se tornarem alvo de piadas os impede de buscar ajuda.
A depressão é uma das principais consequências, seguida de ansiedade, insônia, estresse pós-traumático e uso abusivo de substâncias. Em casos mais graves, pode haver tentativa ou consumação de suicídio.
Narrativas que culpabilizam e invalidam
Quando um homem relata que sofreu agressão de sua parceira, muitas vezes a reação é de descrença ou deboche. “Apanhou de mulher?” ou “Com esse tamanho todo e não se defende?” são frases que ilustram bem a falta de empatia com que o tema é tratado.
Esse tipo de narrativa não apenas silencia a vítima como também reforça estereótipos de gênero que alimentam o ciclo de violência. O homem é empurrado para o lugar de agressor mesmo quando é a vítima. É fundamental romper com essa visão binária e reconhecer que a violência pode partir de qualquer gênero.
Caminhos para o acolhimento e a prevenção
- Educação emocional desde a infância: ensinar meninos a reconhecer e expressar suas emoções, incentivando empatia, escuta e respeito nas relações.
- Políticas públicas específicas: criar centros de acolhimento, linhas de apoio e protocolos de atendimento para homens vítimas de violência.
- Capacitação profissional: treinar profissionais de saúde, assistência social e segurança para lidar com casos de violência contra homens com seriedade.
- Campanhas de conscientização: utilizar mídias para desmistificar o tema, combater estigmas e informar a população sobre os direitos dos homens como vítimas.
- Rede de apoio entre homens: estimular grupos de escuta e apoio emocional para que eles possam compartilhar experiências e romper o isolamento.
Considerações finais
A violência doméstica contra os homens é real, mas ainda invisível. O preconceito, os estigmas e a ausência de políticas de apoio fazem com que milhares de homens sofram em silêncio todos os dias. O reconhecimento dessa realidade não diminui a importância do combate à violência contra as mulheres, mas amplia nossa compreensão sobre as formas de abuso dentro das relações.
Nenhuma vítima deve ser ignorada. Nenhuma dor deve ser motivo de piada. Homens também sentem, sofrem, choram e precisam de ajuda. Reconhecer isso é um passo fundamental para uma sociedade mais justa, empática e igualitária.
A violência não tem gênero. O acolhimento também não deveria ter